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A outra face da Câmara

Manifestação do vereador Rodrigo Beltrão


"... não beijo a mão de ninguém" (trecho dos anais da sessão ordinária 310 de 25/05/10)

Ser (ou estar na condição de) vereador de Caxias do Sul, neste momento histórico, é algo extremamente gratificante e de certa forma, confortável. Afirmo isto, pois diferentemente do Congresso Nacional que está com baixa popularidade, a Câmara Municipal vive um bom momento na opinião pública e passo a listar algumas iniciativas que motivam esta afirmação: transparência, zelo pelo dinheiro público, estrutura de TV que permite ao povo ter contato direto, acessibilidade e diversas leis que beneficiam o povo. Tudo isto concordo e tem sido repetido intensamente pela propaganda oficial da Câmara com incessantes auto-elogios. Desta feita, passo a propor debate mais aprofundado sobre a outra face da Câmara.

No legislativo, sua função primeira, a qual se origina o propósito de existência, é a de fiscalizar os atos do Executivo e legislar sobre assuntos de interesses da municipalidade. Classicamente, o parlamento é apelido de "casa do Povo", pois independentemente do resultado eleitoral para a Prefeitura, é na Câmara que se expressam a representação popular pluripartidariamente. Esta premissa tem sido interpretada, de maneira recorrente, por todos os partidos da seguinte forma: "Se for bom para a comunidade voto a favor, independente de quem venha a proposta". Passo a demonstrar que em Caxias do Sul, isto se trata de uma falácia na interpretação mais otimista ou até mesmo mentira num olhar mais pessimista.

O processo eleitoral de 2008 determinou a correlação de forças na cidade, o qual diante desta decisão popular devemos respeitar e entender o fenômeno democrático em que a maioria governa sob a minoria. Todavia, isto não significa que deva ocorrer a exclusão da oposição no processo político. Ademais, registre-se, que em uma eleição de um turno, com predominância da força do capital e com tempos de TV e rádios desiguais, a oposição fez 46% dos votos.

Portanto cabe à oposição importante responsabilidade, de fiscalizar os atos do Executivo e garantir o fundamento constitucional que perpassa todos os Poderes e atos, que é o princípio do contraditório. Por análise mais subjetiva, entende-se de que as pessoas são falíveis e por estas constituírem os governos, toda a verdade é contestável. Devem os gestores e seus respectivos atos, estarem constantemente sob crítica e análise. É o princípio republicano que iguala todos perante a Lei.

Nesta seara, Caxias do Sul vive momento paradoxal. Economicamente está conectada com os preceitos modernos e na condição de liderança. Porém politicamente, vive a moda antiga, sob a égide de princípios patrimonialistas, semi-republicanos e por vezes, com surtos monárquicos, em que mesmo desrespeitando a Lei de responsabilidade fiscal, o Prefeito reeleito patrocinou o duplica CCs (chamada de reforma administrativa).

Vivemos tempos, em que até a simples reforma de vestiários para funcionários da Codeca, transformou-se em festa com direito a placa com o nome dos governantes. Até mesmo os canos que servirão para o sistema Marrecas servem como objetos de culto para promover os governantes, ficando os mesmo expostos a beira da Rota do Sol. No canteiro de obras da Barragem, visitas são feitas como se fosse a Torre de Babel caxiense, porém sem direito às pessoas contestarem qualquer aspecto da obras sob pena de severa punição pública: a de ser considerado contra o desenvolvimento, contra a água e contra a população.

Mas voltemos a versão ou verdades oficiais: a greve dos médicos não tem nada a ver com o Prefeito; construir uma quadra de esportes ao lado de outra já existente enquanto o povo do Mariani apela por creche é o justo; as perdas de água tratada acima de 60% são normais; reivindicar investimentos na agricultura ecológica é risível e que o pagamento das desapropriações amigáveis do Sistema Marrecas, sem o crivo da Câmara, estão dentro das Leis. Na função de vereador, delegada pelo povo, ao contraditar estas "verdades" de secretários eleitos pelo Prefeito, assumi preço muito caro na Câmara, o qual passo a narrar apenas um dos eventos.

Em fevereiro de 2009, protocolei projeto de lei que instituía a Feira de Economia Solidária, a qual na prática já existe há 10 anos independente de qualquer apoio governamental. Realizamos duas reuniões públicas para análise do Fórum de Economia Solidária o qual deu seu aval ao projeto.

O PL tramitou dois anos não havendo emendas nem substitutivos de nenhum Vereador. No final de 2010, identificando aspectos inconstitucionais na redação, fiz três emendas que sanaram as ilegalidades, as quais ajudaram que o Plenário em 30/11/10, derrubasse soberanamente o parecer de inconstitucionalidade. Em 15 de dezembro o projeto estava na pauta e a vereadora líder do governo pediu vistas por 10 dias. Os dias solicitados multiplicaram-se e transformarem-se em 150 dias, em o PL ficou sob a tutela do governo. Novamente o projeto retornou para a Secretaria, sem nenhuma emenda.

O projeto recebeu apoio de diversas entidades que se organizam no Fórum local. Ainda, uma comissão formada por três empreendimentos produziu dossiê reunindo documentos importantes a fim de demonstrar a importância da proposta. Visitaram todos os gabinetes dos vereadores entregando o material confeccionado, bem como a Manifesto de apoio ao PL 20/2010.

Durante o debate em plenário evidenciou-se o tom pessoal de retaliação, liderado pelos vereadores que representam uma visão reacionária na política caxiense e que buscam liderar seus comandados com mão de ferro. A seguir, relaciono itens que evidenciam a postura contraditória e autoritária que ocorreu na votação:

  • O projeto de lei tramitou durante 28 meses na Câmara, tendo sido objeto de duas manifestações no espaço do grande expediente deflagrando o debate na Casa e desta feita possibilitando aos vereadores oferecerem emendas ou substitutivos. O governo também poderia neste período ter enviado alguma proposta. Nada foi feito.

  • O projeto tramitou com total aval das entidades que dirigem a Economia Solidária em Caxias, as quais manifestaram publicamente seu apoio, bem como buscaram individualmente pedir apoio aos vereadores;

  • O parecer de inconstitucionalidade exarado pelo Vereador Elói Frizzo, foi derrubado em plenário em 30/11/10, tendo ficado provado que as três emendas feitas pelo autor sanavam qualquer ilegalidade. Com destaque ajudaram a derrubar o parecer, os vereadores Vinicius Ribeiro e Renato Nunes. Durante a votação, contraditoriamente, os mesmos vereadores, embora a discussão fosse de mérito, alegaram que votariam contra, pois o projeto era inconstitucional. Esqueceram-se de seus votos anteriores.

  • Em data posterior, a Comissão de Direitos Humanos exarou parecer favorável ao mérito com a assinatura de todos os membros, dentre eles o vereador Renato Nunes. Posteriormente o mesmo vereador votou contra o projeto

  • Em 15 de dezembro a vereadora líder do governo pediu vistas por 10 dias e ficou com o projeto por 5 meses, sem oferecer emendas.

  • O projeto não criava nenhuma responsabilidade ao Poder Executivo e explicitamente apresentava em seu artigo 5º. que as despesas correriam por conta dos empreendimentos. Na prática a única responsabilização do gestor público seria a de ceder o espaço público da Estação Férrea em uma semana por mês.

Por fim, o debate evidenciou de forma mais clara, a outra face da Câmara. Por um lado, a propaganda oficial dá publicidade ao lado elogioso da Casa. O outro nos dá conta de um parlamento à moda antiga, em que muitas vezes, o coronelismo impera. Quanto a isso, deixei clara minha posição: não beijo a mão de ninguém.

O divisor de águas está feito. A luta segue. Já tenho notícias, de que ainda na semana que vem, os empreendimentos através de suas entidades, reapresentarão a proposta por iniciativa popular através da Comissão de Legislação Participativa e Comunitária. Segue a frase do célebre revolucionário Che "Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais deterão a primavera".

 

Rodrigo Beltrão, Vereador autor do projeto da Economia Solidária e Líder da Bancada do PT.

27/05/2011 - 11:02
Gabinete do vereador Rodrigo Beltrão
Câmara de Vereadores de Caxias do Sul

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